Encantou-se pelo cinema ainda na infância, ia com o avô, sempre quando dava, ao Cine Tangará no centro de Santo André e assistia também filmes pelo projetor super 8 do avô. Desde cedo tinha responsabilidades em casa, ajudando os pais. Na época do vestibular, houve greve dos professores e ele e seus amigos montaram um grupo de estudos pedindo a diretora para utilizar as salas vazias para estudar. Prestou para diversas universidades em cursos de Comunicação, passou em 2º lugar no vestibular da Metodista no curso de Rádio e TV; sua paixão era o rádio. Seu primeiro estágio foi em produção na BAND, onde aprendeu muito, e que preferia trabalhar na parte técnica. Após sair da BAND, montou uma produtora com colegas da faculdade que durou o fim do curso. Começou a trabalhar como voluntário num canal regional até ser efetivado quando abriu uma vaga, este canal logo ficou conhecido como NET; depois mudou de área tendo feito um curso do software Adobe After Effects. E 2005, abriu concurso na USCS, recém casado, começou a lecionar em agosto daquele mesmo ano, continuando na NET onde permaneceu por 12 anos. Procurando novas oportunidades no mundo acadêmico, decidi sair da NET para fazer o mestrado em Comunicação na USCS. |
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Pergunta:
Luciano, eu quero começar pra que você diga seu nome completo, local e data de nascimento.
Resposta:
Meu nome é Luciano de Souza, eu nasci em Santo André, e nasci no dia 29 de julho de 1976.
Pergunta:
Luciano, quais são as lembranças que você tem dessa primeira infância, quer dizer, como que era seu núcleo familiar, quais as memórias que você viveu aqui em Santo André?
Resposta:
Bom, eu moro em Santo André até hoje, nasci em Santo André e a minha família também é daqui. Eu tenho uma parte da minha família que é de Paranapiacaba, a parte da família do meu pai, então eu tenho algumas lembranças de ter ido para lá algumas vezes, e eu gosto de lá, tem um ar que me lembra um pouco essa infância. Meu pai foi motorista de táxi, e minha mãe era dona de casa. Trabalhava na (Valisére) um tempo, e aí quando eles se casaram em 1975, e eles foram morar de aluguel, ali onde ficava mais ou menos a Perimetral em Santo André, tinha uma casa de fotos, e eles moravam em cima. Meu pai ficava como motorista de táxi, meu pai nunca gostou de trabalhar em escritório fechado, nunca curtiu muito. Ele até trabalhou um tempo, mas ele sempre gostou de carro, de caminhão, de viagem, não teve jeito, não teve como segurar ele em nenhum... Então, eu sempre foi acostumado, esse negócio que todo mundo era acostumado de ver o pai entrando às nove e saindo às seis, ou entrando às oito e saindo às cinco, para mim, isso nunca existiu, porque desde então meu pai tinha essa vida mais solta. E aí eu nasci, eles moravam de aluguel, e um ano depois eu nasci. Então casou, minha mãe logo depois já ficou grávida, aí ela saiu do emprego para ficar comigo, porque não tinha creche, não tinha nada dessas coisas, e a família da minha mãe sempre foi um pouco mais distante. A família do meu pai, os pais deles eram separados, a minha vó era muito presente, por parte de pai. E aí, quando foi em 1976 eu nasci, a gente ainda morou um tempo lá na Perimetral, mas aí era um trânsito horrível, que já estava crescendo a cidade, e tudo mais, e eu dei muito trabalho de doença, de ficar doente de dor de garganta, de dor de ouvido, eu tinha direto isso. Eu não sabia se era por causa da rua, da poluição, do barulho, e aí logo depois a gente se mudou para a Vila Bastos, em Santo André, também aluguel, só que meu pai já partiu para uma outra área, logo depois ele virou caminhoneiro. Ele trabalhava com o táxi e com o caminhão, com as duas áreas. E quem morava com a gente nessa casa, quem foi morar com a gente, foram meus avós por parte da minha mãe, morava todo mundo junto. Essa fase eu lembro bastante, porque aí era uma rua mais tranquila, comecei a fazer amizade na rua, comecei a brincar na rua. O meu avô, talvez venha daí essa minha paixão por cinema, por audiovisual, o meu avô gostava muito, ele era motorista de ônibus, a família inteira de (...). Meu avô foi motorista da Viação Padroeira, aqui em Santo André, mas o que ele gostava mesmo era de assistir filme. Meu vô gostava muito de cinema, mas tinha um projetor super oito em casa, tinha o projetor e a câmera, que antigamente não tinha o videocassete, então a única possibilidade era super oito. E eu lembro quando ele comprou o projetor, e ele fazia parte de um clube super oito, que eles alugavam filmes, e aí a primeira vez que ele comprou uma tela branca, passou aquele projetor dentro de casa, eu assisti Terremoto, o filme chamava Terremoto II. Não, não lembro agora qual que era, acho que era Terremoto, o filme, e depois assisti o Tubarão. Então achei aquilo demais, me encantei assim por aquele negócio. Isso é uma coisa que me lembro bem, e a casa era muito legal, que era uma casa bem grande [5']. Alugada, mas tinha um terreno na frente enorme, com bastante mato, que a gente podia brincar. Eu passava o dia inteiro fora de casa, não passava o dia, só passava fora. Entra para almoçar e saía. Então, eu brinquei muito nessa fase e me encantei muito por essa questão do cinema, dessa época, eu me lembro disso, e depois meu vô costumava levar a gente, antigamente tinha o Cine Tangará, lá em Santo André, a gente ia à pé até o Centro que era perto, e às 10 horas da manhã tinha desenho, então não tinha desenho na televisão como tem hoje direto. Assistia no cinema do Tom & Jerry, Pica Pau, e formava fila, pipoca, tudo mais, e eu curtia demais aquilo lá. Aí passava na volta, passava numa loja e comprava carrinho, então meu vô gostava de fazer esses passeios com a gente. E meu pai, como ele ficou mais ausente, porque como ele ficava com o caminhão, meu avô ficou trabalhando para ele no táxi e meu pai ficou com o caminhão. Quando foi em 1982, meu irmão do meio nasceu, então eu tive mais um irmão que nasceu em 1982, e a gente ficou nessa casa até 1986, porque, nesse momento, aconteceu um problema em casa, porque o meu avô teve um problema de saúde e precisava morar em Santos, negócio da pressão. Aí foi outra briga, porque meu pai tinha conciliado o negócio do caminhão, desde que ele ficasse no táxi, porque o táxi é uma permissão pública, não podia ficar quando não tem gente lá porque a prefeitura pega no pé, e meu pai contava com isso. Aí brigou, foram para Santos, e aí a gente ficou aqui na casa alugada só a gente, foi uma fase bem difícil porque a minha mãe meio que se desligou um pouco dos pais, porque realmente teve um lado deles que foi errado, de sair sem avisar. Não foi avisado, simplesmente um dia colocaram as coisas no carro e foram, e meu pai ficou mal, porque precisava do negócio do táxi, e também começa nessa fase, a fase do meu pai viajar muito longe, então a presença do meu pai nunca foi muito presente assim em casa, teve uma presença, lógico, mas teve uma fase da infância que eu não tive com ele, porque ele trabalhava demais, até para a gente sair do aluguel, porque era uma bandeira que ele tinha. Então ele viajou, e as viagens eram assim, Fortaleza, oito dias. E eram oito dias fora de casa, ele trabalhava com cegonha, é aquele caminhão que transporta carro, então ele ficou muito tempo aqui em São Bernardo, na Transbor, levava os carros e voltava, então eram oito dias fora de casa. Quando ele voltava, ele ficava dois dias em casa e voltava de novo. Então, eu conheço o nome de todas as cidades do nordeste, então é Salvador, Quexeranobim, Quexadá, Jequié, Juazeiro, Petrolina, eu conheço todas essas cidades porque é nome dos lugares que ele ia, então eu lembro que ele escrevia: "Petrolina fechada" [simula que escreve com papel e caneta]. Eu lembro que ele tinha um caderno que ele escrevia todos os carregamentos, então o que que era Petrolina fechada, era que ele ia e voltava e não ia em nenhum outro lugar. Se tinha que fazer Petrolina, Jequié e Quexadá, já não era fechado, e a fechada era melhor porque você vai e volta. Então, eu sabia todos esses negócios de caminhão, e nunca viajei com ele, a gente nunca viajou. O meu sonho, né? Viajar com ele. Porque era muito legal, ele ia e voltava com um monte de história. ‘Tem uma praia assim, tem uma praia assado', e eu ficava só imaginando. Não tinha internet, não tinha nada. Nem foto ele tirava, nem câmera a gente tinha. Então ele contava as histórias do Nordeste e eu achava aquilo demais. Bom, o que ele fazia eu já achava demais, viajar, mas ao mesmo tempo essa ausência, que era ruim, mas eu entendia perfeitamente. O meu irmão do meio já sentiu mais, porque foi bem quando ele era bem pequeno. Então a relação dos meus dois irmãos com ele já é bem mais difícil por causa disso, porque ele esteve ausente nos dois na infância, bem ausente, porque depois ele começou a fazer viagens mais longas. Então, chegou a pegar Fortaleza que eram nove dias mais ou menos, ida e volta, aí chegava em casa, fazia a barba, e entrava na fila de novo. Quando entrava na fila, o cara já ligava para ele e falava: ‘oh, já tem outra entrega para Fortaleza'. E vai de novo. E era só um dia em casa, então era muito difícil essa fase. Nesse momento, em 1986... 1986? Isso. A gente mudou para um casa que finalmente saiu do aluguel, a gente foi morar na vila Valparaíso, lá em Santo André, em uma casa que a gente comprou [10']. Pagou em 20 vezes lá, mas a gente conseguiu sair do aluguel, muito por causa dessa coisa, ele tinha o caminhão, o caminhão rendia um bom dinheiro, ele ficava ausente, mas rendia, dava um bom retorno.
Pergunta:
E o táxi?
Resposta:
O táxi, o que ele fazia? Ele acabou fazendo o seguinte: ele várias vezes arriscou, ele viajava, tinha os colegas dele lá, quando a prefeitura não vinha, tudo bem. Aí quando ele voltava, o tempo que ele ficava por aqui, ele trabalhava no táxi. Então, ficou assim durante quatro ou cinco anos direto. Outra lembrança que eu tenho da minha infância é da escola, porque eu estudei em uma escola pública, estudei numa escolinha particular lá, quando tinha esse negócio de maternal, mas foram pouco tempo, foram dois anos, eu acho, fiz jardim um e jardim dois, coisa assim. Chamava Castelinho, ficava perto de casa, mas eu me lembro bem da escola pública, que foi quando eu estudei no Galeão, em uma escola que tem lá em Santo André, e foi uma lembrança que eu tenho bastante porque foi muito tempo, eu fiquei 12 anos na escola. Eu entrei no prézinho e sai no terceiro ano do colegial. Eu conhecia todo mundo, né? As tias, os professores. A primeira professora que eu tive lá, eu fiz amizade com os filhos dela, a gente estudou junto para o vestibular depois. Eu tenho contato com ela até hoje. Então eu fiz várias amizades lá na escola, e é uma lembrança também que eu tenho forte, porque a gente brincava bastante na escola. Acabava a aula, a gente podia ficar lá, porque conhecia a diretora, tinha todo um esquema da gente ficar lá e continuar brincando, era um meio de brincar. Tudo para não ficar tanto em casa, porque em casa não tinha tanta coisa, não era como hoje que tem desenho, bastante coisa. Só depois que teve o videogame em 1985 que eu ganhei o videogame, que é até legal eu falar. O videogame estourou mesmo em 1984, se não me engano é isso aí. Que o Atari veio para o Brasil, e todo mundo queria jogar videogame, e estava todo mundo desesperado para jogar, mas eu sabia que meu pai não tinha dinheiro para comprar, e eu fiquei enchendo o saco dele um ano: ‘não, compra um videogame! Todo mundo tem!'. Aí chegou no final de 1984, ele me deu de Natal uma enciclopédia. Eu quis jogar pela janela. Eu esperando um videogame e ele me envia uma enciclopédia Pesquisas de Conhecer. Gigante lá, porque ele gostava muito de ler, ele gostava muito de estudar, sobre História. Ele fez escola técnica de desenho, ele fez o Júlio de Mesquita, mas não seguiu. Mas ele gostava muito de ler, e ele quis passar de todo jeito para que eu lesse também essa história. Ele adorava, e eu acabei tendo aquilo como diversão durante um ano. No começo, eu queria jogar pela janela, mas vou te falar, eu adorei. Curti muito e eu gosto até hoje de ler por causa disso, de saber sobre história, principalmente história, mas depois de um ano ele deu. Depois de um ano veio o videogame, chegou. Então, eu acho que essas duas lembranças são muito fortes, lá na Vila Bastos, e a escola era na mesma rua de casa, então eu não saía da rua. Eu saía de casa oito horas da manhã, ficava na rua brincando, voltava para almoçar, aí eu tomava um banho, almoçava e ia para a escola, porque a escola era à tarde. Aí eu voltava da escola ficava um pouquinho lá na rua, do lado da minha casa tinha um senhor que tinha um açougue, e eu brincava de ajudar ele. Era um senhor italiano, chamava Salvatore _____, eu gostava de ir lá atrás do balcão e ficar cortando carne. Ele não deixava, óbvio, mas eu queria cortar as carnes, ver ele cortando, vendendo. E ele deixava eu entrar, ver um pouco, minha mãe também conhecia, falava: ‘fica aí um pouco com você então', e eu ficava lá com ele, então são essas lembranças que eu tenho mais fortes.
Pergunta:
Como era a sua relação com seus irmãos? Irmão mais velho, outros dois irmãos, que histórias que você se lembra?
Resposta:
Com o irmão do meio era bem difícil, hoje não é mais, mas era bem difícil, bem complicado. A gente brigou muito, demais, demais. Eu tinha um gênio muito forte, muito diferente do que eu sou, e a gente brincava muito quando era criança, e sem meu pai em casa, pior, porque minha mãe tinha que tomar conta de tudo. Então faz feijão, faz não sei o que, e os dois correndo pela casa, tacando coisas um no outro [15']. Então, tacava chinelo, bolinha. E era sempre uma provocação. A gente brincava muito, mas também brigava demais, e tinha uma diferença de idade de seis anos, quando eu tinha 12, ele tinha seis. Então, quando eu não queria nada de brincadeira, ele queria brincar de carrinho, e eu ficava com uma dó dele, aí ele brigava, e tacava coisa, era bem difícil. Com o mais novo, aí já não. O mais novo a diferença nossa é de 15 anos entre um e outro, então eu era obrigado a apartar os dois, e eu tratei o outro mais como filho, porque como eu falei, meu pai depois nessa fase que nasceu o meu irmão mais novo, ele nasceu em 1991, eu aí meu pai voltou o caminhão, meu pai teve o caminhão uma época, aí chegou um momento que ele ficou em casa, porque ficou aquele clima: ‘ah, você não para em casa', ele estava cansado, começou a dar alguns problemas de saúde, alguma coisa assim: ‘ah, eu estou com cansaço, não estou aguentando tanta viagem', aí ele resolveu, chegamos em um consenso em casa de vender o caminhão. Mas isso, obviamente, caiu a renda em casa um pouco, e meu pai ficou meio assim de ter vendido, ficou um clima em casa, e aí para piorar veio a época do Collor, que tomou o dinheiro, para piorar tudo. Então essa época de fazer fila no açougue para comprar carne, comprar leite cinco horas da manhã, então foi horrível. E aí meu pai, quando pintou a primeira oportunidade, ele voltou com o caminhão, comprou. Só que aí quando ele voltou, ele não trabalhou mais com cegonha. Aí ele foi trabalhar com transporte de carga, e aí ele foi mais longe ainda. Ele viajou para Manaus, aí ele fez Manaus, ele fez Buenos Aires, ele fez Chile, ele fez Uruguai, fez Paraguai, e assim, Manaus, eram 22 dias fora de casa, direto, porque eram oito dias para chegar até a balsa, aí entra na balsa com o caminhão e anda mais cinco dias, seis dias na balsa, aí descarrega, volta pela balsa e volta pela estrada. Então, eram 20 dias fora de casa. E aí o meu irmão mais novo, o Allan, ele não reconhecia o meu pai. Meu pai ia com a cara limpa, chegava com a barba aqui [gesto demonstrando o tamanho da barba], ele não reconhecia. Então começou a dar um choque mesmo, o menino tinha medo de chegar perto dele por causa disso, ele não reconhecia, porque logo que ele nasceu meu pai já começou com caminhão, então não tinha como. E minha mãe que segurava a barra com os três, e a minha relação com eles tinha essa relação com o meu irmão do meio, a gente brigava, mas existia uma relação meio de pai um pouco, porque eu meio que fiz esse papel, meu pai também falava: ‘não, você tem que tomar conta aí, tem que fazer isso aqui no banco', então muito cedo eu comecei já a ir em banco, a levar documento para pagar, levar coisa para fazer, então muito cedo eu comecei a me acostumar com essas responsabilidades. Então eu meio que cuidei um pouco do meio, o menor já um pouquinho menos, o do meio já praticamente ficava com ele o dia todo, cuidava dele, olhava ele, o que precisasse fazer, eu fazia.
Pergunta:
Luciano, você falou dessa sua influência do seu avô, você citou inclusive o Terremoto e o Tubarão. Quais outras obras, o que mais você lembra de ter marcado nesse período, talvez depois um pouquinho mais para frente, já indo ao cinema e o videocassete, e mesmo os videogames, você falou que acabou ganhando o videogame, o que você se lembra de jogar e qual sua relação, quer dizer, o videogame era seu, e os seus irmãos, como que você dividia isso aí?
Resposta:
Quando eu ganhei, ele tinha dois anos, nem brincava muito. Eu até brinquei, nossa, fiquei um bom tempo reinando no videogame, não tinha problema para dividir. Depois eu quis dividir mesmo, porque era muito ruim jogar sozinho, era legal jogar contra, ainda mais para ganhar dele, do meu irmão do meio, porque a minha forra era no negócio, porque o Adriano era muito, ele era pequeno, baixinho, então tinha aquele negócio do baixinho, de ninguém respeitar muito o baixinho, então ele começou a achar buracos onde ele pudesse falar: ‘aqui eu atinjo e ninguém me pega'. Então, você estava deitado, do nada você levava um tapa e saía correndo. Então eu levei chute, ele usava uma bota ortopédica, eu lembro disso até hoje, quando ele faz aniversário, eu dou parabéns para ele e falo para ele: ‘Você lembra aquele dia da bota?'. Então, eu estava deitado em um colchão em casa lá deitado, assistindo televisão, do nada eu estava deitado ele vem com uma bota e puff no meu nariz [20']. Mas eu saí que queria pegar ele pela janela, jogar ele longe, e para a minha mãe: ‘eu não fiz nada! Eu não fiz nada!'. Ele sabia provocar. Então, eu dava forra na hora do videogame. Quando ele começou, ele só perdia, ele achava ruim, e eu achava lindo. Mas aí ele começou a ganhar depois e aí que foi o grande o problema, porque hoje quem dá forra é ele [risos]. Hoje, é difícil jogar contra ele, porque ele joga até hoje, é viciado em games. O videogame é uma coisa legal, que eu curti bastante, e o que eu descobri depois foi a TV. Acho que, além do cinema, no cinema a gente ia sempre que dava, a grana não era tanto para a gente ir em cinema, a gente não tinha tantas opções como hoje, existia o Estúdio Center, o Tangará. Eu fui assistir Star War, fui assistir Superman 3, eu acho que eu me lembro. Aí tinham alguns filmes bem sem vergonha do Homem Aranha, do Capitão América, eu gostava muito de heróis também, eu tinha toda a coleção dos bonequinhos da Gulliver. Tudo bonequinho estático, não mexia nada, mas eu tinha lá. Então eu ia assistir esses filmes no cinema, gostava, curtia, mas o que me pegou depois mesmo foi a TV. Depois que eu comecei a descobrir a televisão, assisti videoclipe, comecei a gostar de música, com pouco. Porque meu avô de novo, meu avô também tinha isso, meu avô tinha uma coleção de discos, então ele tinha uma vitrola gigante, aquelas de madeira, gigante, que é um móvel, né? E um dia eu descobri que ele tinha um monte de disquinho, disquinhos pequenininhos. Tinha Beatles, Elvis, um monte de coisa misturada com Luiz Gonzaga, com um monte de coisa, e a minha diversão era colocar o disco e ficar ouvindo o disco. Direto eu fazia isso, direto. Então, eu comecei um pouco a paixão pela música, e a paixão pelo vídeo foi aí. Aí eu descobri a TV, então a TV, videoclipe, eu assistia filme na TV, direto, eu não parava de ver filme, eu gostava de ver. Então, eu acho que um pouco vem aí, de ficar em casa. Quando eu saía um pouco da rua, principalmente quando eu fui para essa casa nova, porque na casa nova já não era uma rua tranquila, já era uma avenidona, já passava carro, minha mãe já não deixava eu sair muito. Aí tinha meu irmão que estava naquela fase dos quatro, cinco anos, tem que ficar cuidando dele, minha mãe saía para fazer as coisas quando meu pai não estava. Meu pai comprava um pneu lá em Fortaleza e chegava o boleto, tinha que retirar não sei aonde aqui, e ela tinha que ir lá pagar, e eu tinha que ficar com ele, então eu fiquei mais recluso em casa, então foi por causa disso que a gente começou a assistir muita TV, tanto eu quanto ele. E aí tinha o videogame também como companheiro, e a gente começou a brincar muito.
Pergunta:
Como foi essa entrada no mercado de trabalho?
Resposta:
Nossa! Eu vou te falar, eu não sabia o que eu ia fazer. Eu não fazia a menor ideia do que eu ia fazer, eu estava chegando o segundo colegial, e aí ficam aquelas perguntas da família: ‘Você vai ser o que? Vai fazer o que?', e eu não me interessava por nada, nada que eu via eu achava legal. Achava legal uma coisa, mas você descobria que tinha matemática, e eu: "ah, não quero". Descobria outra coisa, mas tem uma física, aí: "ah, eu não quero". Eu não gostava muito dessas disciplinas de exatas. Ia bem na escola, não tinha problema, fui super bom aluno, não tinha problema, mas eu tive um probleminha com física e desenho geométrico, química, essas coisas de que o pontinho A vai até o pontinho B já não era para mim, não era muito meu gosto. Aí eu gostava de Astronomia, achava demais, mas eu sabia que não tinha um mercado. Eu falava para meu pai: ‘pai, vou ser astrônomo', era um negócio meio estranho, e tinha física, eu não quero. Tinha uma época mais antiga que eu queria ser médico. Não, também não dá. Eu poderia gostar de cuidar das pessoas, mas eu teria que estudar as partes lá que eu não queria. E aí eu comecei a eliminar, e eu lembro que eu comprei o Guia do Estudante de 1993, aí falei: ‘daqui vai ter que sair alguma coisa!'. Aí eu comprei, eu ia virando as páginas e riscando as que eu não queria. Eu comecei a ver o livro, e estava todo riscado já quase, não estava sobrando nada. Aí eu tinha uma área que era assim: ‘E se você não fizer faculdade?', que tinham as carreiras que você não precisava de faculdade, tipo piloto, comissário, aí eu falei: ‘comissário de bordo, pode ser uma boa!'. Piloto, viagem, já gostava de viajar, deve ser legal. ‘E se eu não fizer faculdade? Meu pai não precisa pagar, não precisa fazer nada'. Mas eu pensei: ‘não, não é possível. Não tem nada aí que você se interesse?'. Eu comecei a ver que, de tudo que eu fui eliminando, a parte de comunicação estava sobrando ali, mas não teve um desejo de falar assim: ‘Nossa, eu tinha vontade de ser jornalista, radialista, publicitário'. Não, nunca pensei nisso. Só que, no segundo colegial, essa minha primeira professora que eu tive no Galeão com sete anos de idade, a professora Geni, tinha dois filhos, o Denis e o Daniel [25']. O Daniel estudou comigo um bom tempo até a quarta série, aí eu continuei a tarde e ele foi para manhã. No colegial, as classes não tinham à tarde, só de manhã, aí eu tive que voltar de manhã. Quando eu voltei para a manhã, eu reencontrei ele, a gente foi estudar junto. Ele gostava de mexer, a mesma coisa, televisão, rádio, e eu estava começando a ouvir rádio, programas de rádio. Rádio FM, Rádio AM, eu gostava de esporte, gosta de futebol, eu torço para o Santos, havia uma dificuldade gigantesca de escutar notícias do Santos na época, você via o programa de esportes uma hora, e os 10 minutos finais falavam do Santos. Meu vô tinha um rádio, aquele rádio que pegava ondas curtas, eu pegava o que era de Santos, para tentar entender as notícias de lá. Aí eu comecei a me apaixonar tanto pelo rádio, quanto pela TV, e eu reencontrei ele, ele também tinha os mesmos gostos que eu, a gente começou a conversar, e ele falou: ‘eu descobri uma revista que eu achei outro dia que chamava Eletrônica Total, que falava como é que faz uma rádio, um transmissor de rádio. Vamos tentar fazer?'. ‘Vamos!'. A gente sentou, foi, comprou o equipamento, não sabia nem soldar, mas fomos, compramos o equipamento e fizemos a rádio, um transmissor de rádio. Aí ele tinha uns microfones velhos, a gente montou uma rádio pirata, ficava lá na Vila Bastos.
Pergunta:
Sabe que isso tem que sair na edição, né? [risos]
Resposta:
[risos] A gente montou uma rádio pirata, mas o alcance era pequeno, nem 100 metros, mas para a gente era o máximo aquilo. Chamava rádio Sigma, e a gente falava o que desse na telha, acho que ninguém estava ouvindo, mas a gente achava que tinha alguém ouvindo. A gente ficou lá, a gente ficou um ano, dois anos com isso aí, direto. Eu ia na casa dele, a gente inventava programa, fazia programa de esporte, fazia programa de notícia. Vou te falar onde vai parar isso, você já está vendo. Aí estamos lá, estamos fazendo, e eu lembro que a gente tinha que aumentar a potência da rádio. Já queria fazer coisa errada, queria aumentar a potência da rádio, sabia que não podia, mas... Aí saiu uma notícia no jornal, dizendo assim que o DENTEL, era DENTEL ainda, que era a Delegacia de Telecomunicações, fez uma apreensão recorde na região do ABC de rádio pirata, aí a gente desmontou, a gente tinha um esquema de puxar a antena lá para ninguém ver, porque tinha uma antena transmissora, e a gente começou a ficar com medo, mas a gente fazia de vez em quando. Ia de tarde, ligava às vezes uma tarde lá, a gente achava que o vizinho estava ouvindo, ficava com medo, que interferia na rádio dele, que era, acho que nem lembro a frequência... era 101,3, nossa, não lembro, porque você não podia escolher a frequência, né? E a gente escolheu uma vazia para não pegar nenhuma rádio do lado, se não iria dar encrenca. De preferência, umas rádios que ninguém ouvia. Aí a gente ficou um bom tempo com isso. Aí chegou a época do vestibular mesmo. No ano do vestibular, no ano que a gente falou: ‘agora tem que arrebentar de estudar, para fazer o vestibular para passar na FUVEST', porque eu não tinha a menor condição de fazer um vestibular para faculdade paga. Se eu chegasse em casa e falasse: ‘pai, dá para o senhor pagar uma faculdade?'. Ele ia falar: ‘começa a carregar esses tijolos aí, se você pagar, tudo bem', porque eu não tinha a menor condição. Meu pai nunca foi de dar dinheiro, nunca. Nem mesada, nunca tive nada disso. Comigo sempre foi assim: ‘Se você quer, você vai, você faz, se vira'. Então se eu queria: ‘quero ir na festa no Aramaçan de um amigo meu'. ‘Você pode ir, não tem problema, você vai, se vira, pega um ônibus, vai, volta meia noite, volta à pé, eu não vou buscar'. Porque esse negócio de taxista não tem esse negócio: ‘o táxi é para o trabalho, não é para ficar levando você'. Então, nunca me levou em lugar nenhum. Então, sempre que eu tive que ir, eu tive que me virar, ou contava com a ajuda da mãe. A mãe vai lá, pega na caixinha o dinheiro para mim, dá escondido, para poder fazer as coisas. Eu também não fiz muita coisa na adolescência de ficar saindo, sabe? A galera saía e falava: ‘você vai?'. E eu pensava: ‘Como? Não tem como, a festa é lá não sei aonde, e eu não tinha como ir', então eu contava com carona às vezes, muito. Bom, a gente foi fazer vestibular, no ano que foi eu estava super empolgado: ‘Agora vou estudar, quero ver o que eu vou fazer, estou escolhendo'. E aí eu já estava mais ou menos falando: "Será que é Jornalismo?", aí vi esse negócio de Rádio e TV, mas nunca tinha ouvido falar. ‘Será que é isso?'. Tinha o negócio da rádio, o negócio da TV, pensei: ‘Será?'. No ano que a gente foi fazer o vestibular, os professores estavam entrando em greve na escola pública. Foi a maior greve de São Paulo na época do Fleury [30']. Foi uma greve que durou assim, de março a agosto. Foi um negócio absurdo. Eu falei: ‘bom, ferrou'. Se eu já não tinha chance de passar, sendo bom aluno, já não tenho chance de passar na FUVEST com essa greve, justo no terceiro colegial que a gente tem um monte de matéria que sabia que ia cair, eu não tenho chance nenhuma. Mas, vou ter que lutar. Aí, o que a gente fez, a gente pediu para a diretora se a gente não podia entrar na escola no horário de aula, não tinha aula, os professores não estavam lá, mas a gente conhecia a diretora, se ela não podia emprestar a chave de uma sala para a gente ir lá e fazer um grupo de estudo. A gente mesmo, a gente se virava. A gente ia lá, pegava o livro, abria, tentou entender: ‘Entendeu? Você entendeu?'. O outro pegava, fazia o exercício, ensinava o outro, e por aí vai. Os três, eram três, eu, o Daniel, esse amigo meu da rádio, e o Humberto, que é um amigo nosso também que vem desde lá os sete anos de idade. A gente formou um grupo de estudos e começou a estudar, independentemente se vai ter professor ou se não vai ter. Fizemos isso até uns dois, três meses, até que eu comecei a fazer um monte de coisa de graça, tinham uns cursinho de graça, e a gente foi fazer umas aulas grátis, voltaram as aulas em agosto, aí foi aquele negócio de repor de sábado, repõe aqui, põe ali, a carga horária não fica totalmente completa, mas foi o que deu. E aí chegou a hora de decidir, vai chegando a FUVEST, chegou a hora de decidir o que você vai fazer. O Daniel já foi mais convicto, ele falou: ‘vou fazer Jornalismo'. O Humberto estava naquelas: "não sei se eu faço Medicina, se eu faço Matemática", estava bem indeciso. Ele acabou prestando para Matemática. E eu, não escolhia. Demorava, demorava. Aí eu olhei e comecei a ler um negócio de Rádio e TV e começou a me interessar muito. Eu falei: ‘poxa, já fiz um negócio na rádio', e eu comecei a sacar que o que eu gostava mesmo era rádio, eu queria trabalhar em rádio. Aí eu defini, vai ser rádio. Aí eu prestei Rádio e TV na USP, prestei Rádio e TV na UNESP, e aí prestei, por prestar, prestei na PUC Jornalismo, porque não tinha Rádio e TV, prestei, na verdade eu prestei PUC de Jornalismo porque o Daniel prestou PUC de Jornalismo, porque quem sabe, né? Nem imaginava o valor da mensalidade, e prestei na Metodista também, Rádio e TV, mas já sabia que eu não tinha a menor condição de pagar, sabia que a mensalidade era cara, não tinha como. E a gente foi prestar os vestibulares, então cada um foi na sua área, fomos lá prestar. Na FUVEST eu passei na primeira fase, que a nota de corte era aqui [gesto com as mãos indicando que passou no limite], era tipo 37, eu passei com 37. Quando chegou a segunda fase, eu olhava para aquela prova e, para mim, era grego. Por causa dessa greve toda a gente não teve, vários conteúdos passaram reto, e a gente não conseguiu fazer. O Daniel prestou, todos fizeram a mesma coisa, todo mundo passou e, quando chegava na segunda fase, ninguém. Menos o Humberto, porque o Humberto passou na segunda fase de Matemática e ele acabou entrando na USP. Eu e o Daniel, não. A gente ficou pelo caminho na FUVEST e sobraram as faculdades pagas. Ele tinha um pouco mais de condição, não era muita, mas tinha um pouquinho mais. Eu não tinha nenhuma. Eu sabia que eu não tinha a menor chance e aí eu não passei aqui na FUVEST. Eu prestei UNESP, e foram saindo as listas da UNESP, aquela lá em Bauru. Saiu a primeira lista, nada. Primeira chamada, nada. Antes de sair a segunda chamada, eu prestei o vestibular da Metodista. Saiu a segunda chamada, nada. Saiu a terceira chamada da UNESP, saiu a primeira lista da Metodista, foi quase no mesmo dia. Saiu a lista da UNESP, eu passei lá na terceira chamada, eu podia ir lá. Só que, como é que eu ia morar lá, pagar tudo lá, se meu pai não tinha como, era muito dinheiro, eu não trabalhava ainda, não tinha tido nenhuma experiência de trabalho, meu pai nunca me cobrou muito, ele falou: ‘olha, você estuda. O negócio é estudar'. E aí eu ficava naquela: "como é que eu vou para Bauru, não vai dar certo isso, não tem como'. Aí, ao mesmo tempo, saiu a lista aqui da Metodista, e o Daniel não passou na Metodista, passou na PUC. E aí ele foi ver a lista lá na Metodista, eu nem abri o jornal. Saiu num dia, eu nem vi, eu passei, de que adianta, meu pai não vai poder pagar mesmo. O Daniel me ligou, de lá de dentro da Metodista: ‘Oh Luciano, você viu? Você passou aqui na Metodista', eu falei: ‘ah, tudo bem, e daí? Eu não tenho como, Daniel, pagar'. ‘Não cara, você viu? Você passou em segundo lugar'. Eu falei: ‘e daí?'. ‘Você não leu o manual?'. Eu falei: ‘não'. ‘Tem bolsa de 50%'. Eu falei: ‘o que?'. Ele falou: ‘É, tem bolsa de 50%'. Aí eu falei: ‘peraí, tem bolsa de 50%, entre eu ir para Bauru e pagar tudo, e a bolsa de 50% do lado de casa', eu morava do lado, atravessar ali era perto. Eu falei: ‘vou tentar'. Cheguei no meu pai e falei: ‘olha pai', a bolsa era um ano só. Eu falei: ‘pelo menos o primeiro ano, depois eu vejo o que eu vou fazer' [35']. E ele topou, convenci ele e ele falou: ‘Está bom, então eu pago um ano. Depois você se vira'. Eu já conhecia o gênio dele, eu falei: ‘vou ter que dar um jeito, né?'. E eu acabei entrando por aí, acabei fazendo Rádio e TV lá na Metodista e com esse projeto de que: ‘eu tenho um ano para arrumar um emprego, um ano para arrumar emprego, porque ele não vai pagar, ele não vai pagar'. E o Daniel foi fazer, só para terminar o Daniel, para não esquecer ele no tempo, o Daniel prestou PUC, fez Jornalismo, foi trabalhar no Estadão e está trabalhando no Estadão até hoje. Jornalista, cobriu as eleições do Doria, tudo, então ele está bem. A gente tem contatos esporadicamente, porque ele não está morando mais aqui, e ele tem a rádio Sigma até hoje [risos]. Está lá o negocinho na casa dele, ele me convidou e falou: ‘vamos lá ligar um dia?'. Aí eu comecei a estudar lá na Metodista, era muito novo para mim tudo, porque eu fiquei 12 anos na mesma escola, esse negócio de trocar de amigos, escola, foi meio estranho, mas com essa ideia de que preciso arrumar emprego, e aí eu lembro que lá eu conheci um professor de rádio, logo no primeiro semestre, o professor André Barbosa, e ele gostava muito de rádio, falava bem, e eu pensei: ‘deixa eu grudar nele aqui, para ele me fazer alguma coisa, para ele me indicar um caminho, vai me dar uma luz, vai me ajudar'. E aí ele realmente percebeu que eu gostava e falou para mim: ‘olha, vou chamar um cara da Jovem Pan para vim um dia aqui, selecionar uns alunos para preencher um formulário, para ver quem tem interesse em fazer estágio'. Eu falei: ‘beleza'. Isso aconteceu no segundo semestre de 1994, eu estou falando de 1994, foi o ano que eu entrei. Aí no segundo semestre de 1994 ele entrou lá, o cara veio da Jovem Pan, preenchi o formulário, demorou um tempo para chamar e chamaram a gente. Chamaram para fazer um teste na rádio Jovem Pan AM. Era o sonho da minha vida, eu gostava de esporte, eu gostava do Milton Neves, escutava ele direto porque ele torcia para o Santos, eu gostava, então minha paixão era o rádio. Eu fazia lição, e fazia tudo escutando rádio, esse negócio dos alunos de hoje em dia de ver o celular e assistir televisão, eu já fazia um monte de coisa também ouvindo rádio. E rádio AM, todo mundo gostava de rádio FM, e eu gostava de rádio AM, e fazer um teste em uma rádio. Eu nunca tinha ido na Paulista, olha que absurdo. Então eu peguei o metrô sozinho, não sabia, quer dizer, eu sabia mais ou menos, metrô até que eu sabia, mas Paulista eu nunca tinha ido. Então, eu cheguei lá, aquela avenidona, cheguei no prédio da Jovem Pan, aí eu sentei lá e passou o Claudio Carsughi, que era um cara que eu estudava, e eu: ‘cara, eu não acredito que eu estou aqui'. Cheguei lá para fazer o teste, e o teste era de rádio escuta.
Pergunta:
Explica o que é rádio escuta.
Resposta:
Rádio escuta é o cara que pega a matéria que vem da rua, ele escutava a matéria, digitava a matéria, para o apresentador saber o conteúdo da matéria, essa era uma tarefa. A outra é ficar ouvindo as outras rádios, para quando tivesse algum problema, sei lá, aconteceu um acidente que a rádio Jovem Pan não está cobrindo, alguém está cobrindo, você já informa para o cara ir também, era mais ou menos essa a função. E o cara perguntou para mim: ‘você sabe bater na máquina?'. Eu falei: ‘sei'. Nunca tinha batido em uma máquina, já tinha datilografado em casa assim, catando milho [gesto de digitar na máquina de escrever com os dedos indicadores], mas nunca tinha feito curso, era máquina de escrever. Ele falou: ‘então vou te colocar aí. Você mexer no rolo?'. Falei: ‘sei'. Nunca tinha mexido no rolo na vida, eu vi play, rec e pause e pensei: ‘acho que é aqui'. Então eu dei play, escutava um trecho, aí eu queria escrever e já continuava rodando, eu não dei stop, aí eu falei: ‘Vixi Maria, o que é isso aqui?'. Aí eu queria voltar, e não tinha botão de volta, alguns eu voltei na mão, fiz tudo errado lá, mas tudo bem, eu consegui fazer um texto, consegui escrever lá o texto. Depois, eu sentei com um cara, era o chefe de jornalismo, e ele falou para mim: ‘olha, agora você precisa escrever uma redação sobre a poluição do rio Tietê, você consegue?'. ‘Consigo'. Já era de noite. Escrevi o texto, saí, e eles pediram para esperar na mesma salinha lá na entrada para eu esperar. Nisso, eu chego lá, sento, quem está esperando para ser o próximo? O Daniel, o meu amigo. Inacreditável, eu falei: ‘eu não acredito que você está aqui'. Eu falei: ‘eu vi que você está concorrendo para a vaga de rádio escuta'. Eu falei: ‘eu também'. Eu falei: ‘Que bom, que beleza'. Nós dois aqui, a gente já tinha se desencontrado no tempo, porque ele foi fazer outra coisa, e a gente tinha que se encontrar aqui para concorrer à mesma vaga, que beleza. Eu doido para pegar a vaga, e sabendo que ele era jornalista, eu pensei: ‘eu vou dançar', porque jornalista tem mais preparo para o texto e tudo mais. Aí eu peguei, sai, fui embora, ele tinha que fazer o teste, até ia esperar ele para ir embora junto, mas ele falou: ‘eu vou demorar', estava ficando de noite, e eu não sabia muito bem, pode ser que eu erre alguma coisa, então deixa eu voltar [40']. Voltei, passou um tempo, passou umas três semanas, o Pedro Bassan, que é repórter da Globo hoje, me ligou, ele era repórter da Jovem Pan. Ele me ligou e falou: ‘ah, você que é o Luciano de Souza?', eu falei ‘sim'. ‘Você concorreu para aquela vaga de estágio de rádio escuta?'. ‘Sim'. ‘Então, você passou no teste'. Nossa, eu queria pegar o telefone, jogar no chão e falar ‘aah!' [gesto de festejar], gritar, sair que nem louco. Aí ele falou para mim assim: ‘então, é para trabalhar...'. Eu estudava de manhã na faculdade. ‘É para trabalhar de madrugada, da meia noite às seis da manhã'. Aí eu falei: ‘bom, tudo bem'. ‘E o valor do estágio é 60 reais'. Aí eu, como assim 60 reais? Na época não tinha muito essa regra como é hoje, do estágio ter seis horas, não tinha muita hora, era meio desorganizado. Aí eu falei: ‘60 reais', se eu colocasse na ponta do lápis quanto custava para eu sair de Santo André todo dia para chegar na Paulista ida e volta, e depois no outro dia ir até São Bernardo para estudar, eu vou gastar 80 e vou ganhar 60. Não vai dar certo. É legal, bacana, OK, é nome, aí brochei. O que era a esperança de conseguir um emprego, por conta do meu pai, o cara fala um valor desse. Se pelo menos empatasse alguma coisa, eu poderia falar com meu pai: ‘olha pai, já estou lá na área, dá para você segurar um pouco mais', mas nem isso eu podia. Aí esse dia eu falei: ‘acho que vou ter que trancar, não vai ter jeito, não tem como'. Eu já tinha iniciado o segundo ano, eu vou ter que trancar. Eu voltei para o meu professor e falei: ‘É isso aí mesmo? Não tem como assim, eu vou morrer de fome, não tem como'. E ele falou: ‘É cara, rádio paga menos, é um problema, mas persiste e tal'. Eu fiquei mais seis meses na faculdade, meu pai já estava me cobrando e falava: ‘olha, não vai dar pra pagar mais o mês que vem'. Todo mês ele falava isso, ‘o mês que vem não vai dar pra pagar'. Aí em julho, aparece um cara na sala que foi transferido pra noite, trabalhava na Band. Trabalhava na produção de um programa de esporte. De novo, o esporte. Na TV, e eu gostava também de esporte na TV, mas não era assim, e ele me convidou um dia: ‘Você não quer fazer um estágio com a gente lá? Eles estão precisando de um estagiário, uma pessoa lá acabou de sair. Você não gosta de esporte?' eu falei: ‘Gosto', ‘Você não quer fazer?', ‘Ah, pode ser'. Não era muito assim o que eu queria. Aí pagava 123 reais, alguma coisa assim, já era o dobro né? [risos] aí ele falou: ‘eu vou te levar uma semana', ele tinha carro, eu pensei: ‘bom, se eu precisar de uma carona, eu tenho'. Saía junto lá da Metodista, e ainda tinha o luxo de ir em casa almoçar, eu comia um pastel ou um dog, depende do dia, eu ficava direto para não ter que ir para casa. Aí ele ficou uma semana me levando lá na Band para eu conhecer e já trabalhando sem nada, sem crachá, sem receber, sem nada, só para ver se eu gostava. E aí eu adorei, aí foi uma coisa assim, sei lá, me encontrei. Eu vi os caras editando, vi os caras fazendo, falei: ‘nossa, isso aqui é muito legal'.
Pergunta:
O que você foi fazer lá?
Resposta:
Eu fazia produção, eu fazia estágio na parte de produção. Então, eu fazia várias coisas, então eu tinha que pegar o horário do programa, subia no ____ e levava o horário do programa, levava para a produtora o que tinha que fazer de roteiro, aí ela me destinava: ‘olha, tem que pegar essa fita no arquivo, levar fita lá, levar fita aqui, editar isso com o editor X'. E eu ia. Só que eu comecei a ver essa parte de produção não me interessava muito, mas quando eu entrava na ilha de edição, para ver os caras editando, aquilo era paixão total. Então eu queria aprender o que os caras faziam. Só que eu não podia aprender, eles não ensinavam, não tinha essa, não podia. Só que eu comecei a grudar nos caras, eu sou meio chato quando eu queria aprender, eu queria de qualquer jeito aprender esse negócio. Aí toda semana eu fiquei indo lá, e eu falei: ‘gostei'. ‘Você quer ficar?', eu falei: ‘Eu quero', ‘então tá, segunda-feira você vem e já está valendo'. Aí ele falou com a diretora e ela falou: ‘tudo bem, pode vim, na próxima semana você está aí já'. Ele chamava Luciano também, Luciano da Silva. E aí a gente foi uma semana depois, crachá, depois começa, e tinha um cara lá que era um editor, e aí quando foram me apresentar: ‘ah, esse aqui é o novo estagiário', o cara até desdenhou, falou: ‘quero ver você aguentar, porque o último ficou uma semana'. Nossa, eu queria sumir esse dia, porque o cara falar isso para mim, eu nunca tinha trabalhado, e eu lembro que eu fui para o banheiro e fiquei um tempo lá escondido, pensando: ‘será que eu quero trabalhar aqui? Já estão me tratando assim'. E eles tratavam meio ruim mesmo, ninguém tratava muito bem não, o estagiário. E eu comecei a não gostar muito, logo no segundo dia de trabalho. Já falei: ‘ih, não sei se eu quero ficar não'. Mas ao mesmo tempo: ‘ah Luciano, brincadeira, né? Você chegou até aqui, precisa pagar a faculdade e tudo mais, é a chance. Eu vou ficar aqui e vou provar para o cara que eu vou ficar mais do que o outro cara tinha ficado' [45']. Falei: ‘os três meses eu preciso bater'. Daí eu fui ficando. Fui ficando, comecei a gostar, comecei a me enturmar, era muito difícil, eu era um cara muito fechado, comecei a me enturmar, gostava mais, conversava mais com a galera da parte técnica. Aí eu comecei a ver que, se eu ficasse mais tarde, e o meu programa era à noite, a noite era mais liberal, aí o pessoal da noite começava a me ensinar as coisas, e o cara que cuidava da parte técnica, o chefe de operações, ia embora às oito da noite, e os editores falavam para mim: ‘você quer aprender?', ‘ah, eu queria aprender a editar', ‘então, quando o cara sair às oito, você vem aqui e eu te ensino. Cada dia uma horinha você vai aprendendo'. E eu comecei a fazer, comecei a fazer, comecei a editar, não parava. E eu não saía da ilha. Eu deixava até meu trabalho de lado, na parte de produção várias vezes eu dei uma desleixada lá. Tinha uma vez que a minha diretora pediu para mim, rolando programa ao vivo, ela pediu para mim assim: ‘vai lá pegar o Telex', porque naquela época era Telex ainda, que chegava as informações nos campeonatos, os resultados.
Pergunta:
Explique um pouco o que era um Telex.
Resposta:
Era um equipamento que saíam as informações direto das agências, era um papel direto, caia à rodo. Então, vinha da Reuters, de agências. E você tinha que ir lá toda hora recolher, era uma bacia assim. Você ia lá, selecionava as matérias que ia levar para o apresentador. Teve esse dia que eu estava meio morto, aí vai lá, ficava no meu pé direto, eu falava: ‘ah, vou lá nada, vou aprender'. Eu fiquei lá aprendendo e esqueci do Telex. Aí acabava o programa, ela descia, pegava as coisas dela e ia embora. E a gente ia lá, tinha uma cestinha, pegava as fitinhas, descia, arrumava não sei o que, de repente tinha um recado na minha mesa. Falava assim: ‘se o Pelé tivesse morrido, a Band não teria dado essa notícia por sua causa, beijos'. Pensei: ‘bom, amanhã eu não vou nem voltar, porque eu não vou estar aqui amanhã'. Aí no outro dia ela veio, deu-me uma carcada, falou: "eu te falei para você pegar o Telex, não sei o que". Eu falei: ‘mas não tinha nada rolando e tal, eu estava ali, eu vi que não tinha'. Eu vi nada, eu não estava vendo nada. ‘Já te falei para você ficar lá', aí eu tive que ficar mais atento na parte da produção, porque eu não curtia muito produção assim, eu gostava mais da área técnica, principalmente edição, o campo do estúdio, enfim. Aí eu fiquei seis meses lá, então eu acabei ficando mais tempo. Quando chegou no final do ano de 1995 para 1996, eles mandaram embora quase o esporte inteiro, os estagiários ficavam, mas o pessoal que trabalhava na área de produção foi toda embora porque assumiu, eles contrataram um cara da Globo, que foi diretor de novela na Globo durante muito tempo, e ele queria mudar a linha artística da emissora, tirar o caráter de esporte e aumentar a linha de shows, essas coisas, e é óbvio que todo mundo de esporte rodou, inclusive esse meu colega que me chamou, que era da minha sala e me chamou para trabalhar lá, e ele acabou saindo. Eu fiquei lá um tempo e falava: ‘vai rolar uma efetivação?' eu não tinha noção nenhuma do que eu estava falando, eu estava vendo que estavam mandando um monte de gente embora, e eu vinha falar de efetivação, louco, né? Mas eu perguntei: ‘vai rolar uma efetivação?', porque eu sabia que ia sobrar para mim, porque eu já tinha o esquema já montado, eles iriam deixar poucos produtores e os estagiários iriam fazer o trabalho de produção, alguma coisa tem que sobrar aqui para mim. Aí eu perguntei: ‘vai rolar efetivação?', e eles: ‘ah, vamos ver, deixa acabar o Verão Vivo', que era um festival que eles tinham em janeiro lá, ‘aí a gente vê'. Sem contrato de estágio, meio que um contrato meia boca que eles fizeram comigo, eu me mantive até o comecinho de 1996. Aí quando chegou, sei lá, foi fevereiro de 1996, eu perguntei: ‘e aí, como é que vai ficar?', porque eu já estava: ‘Vai rolar uma efetivação?'. Ele falou: ‘É, não vai.', e eu falei: ‘então, tchau. Eu não vou ficar porque não dá, eu estou fazendo trabalho de gente que é produtora ganhando isso aqui, que é uma miséria, não dá', aí eu saí, eu pedi para sair. ‘Não, pelo amor de Deus, fica!', eu falei: ‘não dá, não dá para fazer, por esse valor e tudo mais não dá para eu ficar'. E eu já tinha aprendido tudo que eu queria lá, para ser bem sincero assim, eu percebi que não tinha muito mais onde correr, eu tentei passar para outros programas, mas não deu. Depois que eu saí, ainda me ligaram de novo, de uma outra produção, falando: ‘você não quer voltar para uma outra produção?', e eu falei: ‘ah não, não quero'. Esse meu chefe que tinha saído, meu colega de sala, foi para a GW, que fazia o que é a SporTV hoje. Fazia um programa chamado Basquete Mania. E ele me ligou e falou: ‘você não quer trabalhar aqui? O valor é um pouquinho maior'. Mas aí eu tinha um colega na sala chamado Iberê, e a gente tinha uma ideia de montar uma produtora, sair pelo mundo. Vamos montar uma produtora, comprar câmera, ele tinha mais dinheiro para comprar as câmeras, eu ajudava ele para fazer câmera, e eu acabei embarcando nessa. [50'] Eu falei: ‘não vou mais trabalhar na empresa, vou partir para essa'. Lógico, no começo eu larguei, não fui trabalhar mais na Band, não tentei mais nenhuma outra, aí eu continuei, a gente começou a montar a produtora, começamos. Aí vai lá, casamentos, aniversário, o que tivesse, velório, o que fosse, pegava tudo. No começo, foi um perrengue. A gente se meteu em cada encrenca de gravar aniversário e não receber, gravar casamento e ir junto com o noivo no Fusca dele, com uma câmera só, umas coisas de maluco que não se faz. Como a gente cobrava barato para conseguir público, conseguir gente para a gente ter um portfólio, aí a gente achou um nicho de mercado no Aramaçan, a gente começou a gravar os campeonatos internos e vender as fitas. Aí começou a dar um dinheiro, começou a pegar alguma coisinha. Aí a gente pegou muito a malícia de fazer câmera, de fazer edição, e tudo rápido. Fazer câmera, já levar a câmera; editar a fita e já levar a fita; já vender, então eu comecei, o que eu era mais preso, eu comecei a me soltar um pouco, porque eu tinha que vender, então não tem como. Ou eu vendia, ou eu morria de fome, e a faculdade correndo solto.
Pergunta:
Com o seu pai bancando?
Resposta:
Não, na época da Band a gente rachava, já sem a bolsa. E na época que eu tinha a produtora, aí depende do mês. Tinha casamento, pagava. Não tinha, não vendia, e vamos indo. Na verdade eu enrolei meu pai, fui levando e fui enrolando ele para ele poder pagar porque eu não queria sair, porque eu sabia que se eu trancasse, eu não ia voltar, era muito difícil. Aí eu fui com a produtora, e a gente estava bem para caramba. Bem, a gente estava legal já, fazia vídeo institucional, já podia ir no shopping e comprar um monte de roupa assim, os dois. Foi no final da faculdade, acabou a faculdade, a produtora estava legal, ele tinha cidadania espanhola, e ele tinha o sonho de ir para lá e tentar a vida lá, e aí ele falou para mim: "eu vou tentar, não tem como, pintou agora". Eu falei: ‘agora que está bem', e ele falou: ‘é, agora não dá, preciso tentar lá a vida, você vai tocando sozinho'. Aí eu falei: ‘não, sozinho não dá', não tinha ninguém de confiança que eu pudesse virar a produtora, e aí a gente vendeu tudo. Separou, vendemos tudo, peguei uma parte do dinheiro, ele foi embora para a Espanha e tinha vontade, falava: ‘se der certo lá, você vem para cá', porque eu falei: ‘ah, tudo bem, se a condição de vida dele era diferente da minha, podia arriscar e voltar', e eu se arriscasse não tinha como voltar. Aí eu falei: ‘e agora?', fiz tudo errado, saí da Band e não peguei telefone de ninguém, não tinha contato de mais ninguém, a produtora sem nada, e eu comecei a mandar currículo. Só que, como eu fiquei dois anos sem trabalhar em uma empresa, porque não era registrado, a gente tinha uma produtora, mas nossa, não tinha um CNPJ, nada disso.
Pergunta:
Seu colega da Jovem Pan não ficou naquela vaga?
Resposta:
Não, não ficou. E aí eu fui meio que perdendo um pouco a vontade de trabalhar na área, eu fiquei meio assim porque eu não tinha contato, mandava currículo, ninguém falava nada, ninguém respondia os telefonemas, e aí eu cheguei pessoalmente, fui pessoalmente na Record, na Globo, eu estava lá, chegava na portaria e entregava o currículo e ia embora, não dava nem para entrar.
Pergunta:
Na sua casa chegou a rolar uma crítica, ou um estresse pela escolha da opção?
Resposta:
Não, nunca. Por incrível que pareça isso, nunca. Meu pai nunca me cobrou esse negócio muito, ele só falava do preço. Se tinha que pagar alguma coisa, ele cobrava, se não tinha que pagar nada, pode ficar. É que eu tinha o sentimento de ficar, era muito ruim ficar em casa, mas nunca rolou crítica não. Talvez rolasse se ficasse mais dois anos, talvez. Mas ele sabia que eu não ia ficar parado, eu não aguentava ficar parado. Então, esse tempo que eu fiquei desempregado, eu fiquei oito meses desempregado, no final de 1997, até outubro, setembro, agosto ou setembro do outro ano. Então foi no período de 1997 e 1998, então eu fiquei desempregado. Para eu não ficar maluco em casa, porque eu não aguentava ficar assistindo Sessão da Tarde, eu comecei a fazer coisa em casa, comecei a pintar portão, comecei a pintar parede, comecei a arrumar as portas, tudo que estava ao meu alcance eu estava lá, sem saber nada, comecei a fazer lá, pensei: ‘é melhor fazer alguma coisa do que ficar parado' [55']. Aí eu comecei a fazer essas coisas e chegou uma hora que não tinha mais o que pintar, não tinha mais o que cimentar, falei: ‘e agora, vou fazer o que?'. Aí eu já estava desesperado, várias coisas passavam na cabeça, de tentar a vida na Europa, que era um sonho que eu também tinha de vontade de morar lá, achava que eu tinha o perfil pelo que eu escutava, e o meu colega lá ainda, eu falei: ‘quem sabe'. Pensei em desistir da área, aí um dia eu peguei, saí de casa, eu morava na rua Andradina, lá na Vila Valparaíso, e eu fui comprar aquele jornal Primeira Mão, que tinha coisa de emprego e tal, e eu falei: ‘bom, vou comprar o Primeira Mão para ver o que tem, o que eu posso ver lá', que eu já estava chutando para tudo quanto é lado, sei lá, bancário, o que viesse. Saí, entrei na Avenida Atlântica, e ia até a banca da Lino Jardim para poder comprar, onde hoje é uma Super Banca, mas é uma banquinha pequena antes. Quanto eu estou andando na Atlântica, os caras estão colocando um luminoso em um lugar lá escrito: ‘Canal Local ABC 3'. Pensei: ‘Canal Local ABC 3 aqui?'. Fui, comprei o jornal e voltei, só que eu marquei o telefone atrás do jornal, tinha um telefone, deixa eu marcar. Aí eu cheguei em casa e falei para a minha mãe: ‘tem um negócio ali, você já tinha visto? Nunca tinha visto, um Canal Local ABC 3'. Ela falou assim: ‘ah, tem o símbolo da Canbras TVA', que a empresa de TV por assinatura do lado. Eu falei: ‘mas o que é, eles não tem canal, não tem nada, o que será que é?', ‘ah, liga lá'. E eu liguei. Quem atendeu, a mocinha falou: ‘olha, é um canal que vai surgir aqui na região, novo, produzido pela Canbras TVA, gerenciado pela Canbras TVA, só que é feito por voluntários'. Eu falei: ‘ah, não vai rolar, sem dinheiro'. Aí falei para minha mãe: ‘olha mãe, é de voluntários'. Ela falou: ‘ah, mas o que que tem? Vai lá, pelo menos você está na área, vê, quem sabe você conhece alguém', conselho de mãe, né? ‘Vai lá, quem sabe vai dar certo'. Eu falei: ‘ah, vou lá vai', e a moça tinha falado para mim: ‘tem mais dois dias de inscrição para os voluntários, para a primeira turma de voluntários'. Cheguei lá, e fui lá, liguei de novo e falei para a moça: ‘ah, então eu quero, como é que faz?'. Ela falou: ‘vem aqui e preenche a ficha'. Fui lá, preenchi a ficha e voltei para casa. Passou um tempinho, eles me ligaram. Falaram: ‘vem aqui que vai ter uma dinâmica, vai ter um negócio, uma apresentação do que é o canal'. Aí eu fui. Chego lá para fazer a apresentação, encontro quem? O Yeis, que trabalha aqui no áudio aqui na USCS, que estudou comigo lá na Metodista. ‘O que você está fazendo aqui? Quanto tempo', ‘eu vim também ser voluntário', ‘que legal, que bacana, então está bom'. Estamos esperando quem estava lá para apresentar o canal, quem aparece para apresentar o canal? Que estava como coordenador de voluntários, era o Beto, que dá aula aqui na USCS. Eu conheci o Beto porque eu estudei na Metodista e ele estudou também, fui bicho dele. Só que eu não tinha relação nenhuma com ele, não falava muito, ele trabalhava no estúdio lá da faculdade. Aí eu lembro que ele editou o meu primeiro trabalho de áudio, quando eu fui lá.
Pergunta:
Ele era editor na Metodista?
Resposta:
Isso, ele trabalhava como técnico no estúdio, ele nem era monitor, ele era funcionário mesmo. Ele era aluno, mas ele já estava como funcionário, estava terminando o curso. E eu marquei uma edição de áudio com ele, marquei no dia do jogo do Brasil na Copa de 1994. Ele estava com uma cara bem feia para mim nesse dia, porque obviamente eu marquei no dia do jogo, eu marquei uma hora antes de começar o jogo, ele estava louco comigo, e eu lembro dele desse momento. Então eu lembro de quando ele era Beto, todo mundo chamava ele de Betinho, eu lembro, pelo menos tem alguém que conheço. O cara está lá com o coordenador, e no final me apresentei, falei: ‘oi, sou o Luciano', ‘ah, foi você que editou comigo aquele dia', ‘é então', ‘legal'. Aí eu comecei a achar legal, pensei: ‘estou do lado de casa, ia à pé, não gastava dinheiro nenhum, podia começar a editar de novo, voltar um pouco o negócio. Estou parado mesmo, em vez de ficar assistindo Sessão da Tarde ou pintando a casa, vou lá'. Aí eu comecei a ajudar lá, comecei a fazer muita coisa. Era um esquema diferente, um esquema que veio do Canadá de programa de voluntariado, não tinha aqui no Brasil. Eu comecei a voltar a fazer câmera, a editar, fazer direção de imagens, porque os equipamentos eles tinham. Chegou um tempo que eu falei: ‘ah, eu vou perguntar se vai rolar alguma coisa'. Eu perguntei para o Beto: ‘você acha que vai rolar alguma coisa, tem alguma chance de efetivação?'. Ele falou assim: ‘olha, não sei, parece que vai pintar uma vaga futuramente, mas não posso te prometer nada'. Falei: ‘ah, está bom'. Aí eu comecei a ir direto, ‘bom, se for rolar alguma coisa, eu preciso aparecer'. [1:00] Então, eu não saía de lá, eles quase me expulsavam de lá, porque não tinha como, eu ficava lá direto. Eu acordava e ia para lá, ia para a casa, almoçava e voltava para lá. Ajudava em tudo: ‘precisa carregar isso aqui', eu ia lá. Aí um dia apareceu uma vaga. O nome da vaga era operador de playback, mas essa vaga não existe, porque operador de playback é um nome gringo, um nome canadense. Na verdade, é um operador de VT, que cuidava da exibição do canal. Apareceu a vaga, e eles colocaram para concorrer os voluntários que eram mais presentes. Nessa daí, fui fazendo o processo seletivo e passei. Tinha RH, tudo. Eu passei e fiquei com a vaga. Aí eu comecei a trabalhar como operador de VT do canal. Aí fiquei dois anos nesse esquema, trabalhando. No segundo ano, eles iam abrir um departamento de mídia, de comercial, para fazer produção de comerciais, produção, edição, ia mexer no After Effects, ia mexer com softwares mais sofisticados, fazer pós-produção, animação, e o chefe do Beto na época, que era o Mener, um canadense, chegou para mim e falou: ‘você tem interesse?', eu falei: ‘total'. Ia aumentar o salário, tudo novo, falei: ‘que lindo'. Ele falou: ‘você sabe mexer?', eu falei: ‘não, não sei'. ‘Então eu vou fazer o seguinte, eu vou comprar equipamento, vou deixar em outra sala, você vai trabalhar tarde e noite, e de manhã você vai treinar lá sozinho. Você vai, seis meses?' Eu falei: ‘com certeza'. Fui lá, treinei, editava Adobe Premiere, After Effects, tudo edição não linear que não tinha no canal ainda, e fui sozinho, na raça. Aí ele pagou um curso de After Effects para mim um tempo, para eu poder pelo menos ter uma noção, e aí parti para essa outra área. Aí eu saí, meu chefe nessa época ainda era o Beto, eu saí e fui para uma outra equipe, um outro pessoal, estava junto ainda com esse pessoal do canal, mas era uma outra área, um outro setor, já era comercial, não tinha nada a ver. Aí eles abriram vaga para mais uma pessoa para trabalhar lá, e aí vem aquela história, ‘com certeza o cara que vai vim vai manjar muito mais do que eu, e eu vou dançar'. Eu tentei indicar várias pessoas que não manjavam tanto quanto eu, e ninguém passou. E eu morria de medo, ‘o cara vai dominar, se chegar um cara que vai querer causar e me tirar daqui, vai fazer isso em dois minutos'. Chamaram um cara que concorria à vaga que já tinha feito coisa para a HBO, pensei: ‘vixi, eu vou dançar'. O cara morava em Mauá eu acho, pensei: ‘nossa, eu vou dançar'. Ele chegou a ir um dia lá, o que ele sabia de coisa, eu não sabia nada do que ele fazia, mas ele acabou não ficando com a vaga. Aí apareceu um rapaz lá, eu falei: ‘poxa, conheço esse cara de algum lugar'. Era o Danilo, que foi bicho meu lá na Metodista [risos]. Foi o maior caso, ele trabalhou no estúdio, eu conhecia também, lembrei do estúdio lá da Metodista, e a gente começou a ter uma relação legal porque ele sabia bastante já, mas ele tinha muito esse negócio de ensinar, e eu enquanto estava no canal, eu estou falando tudo isso para chegar até o professor. Quando eu trabalhava no canal, o que eu aprendia eu acabava ensinando para os outros, então eu ensinei muita gente, muito voluntário, muita gente a mexer na câmera, porque era normal, era essa a tarefa, era você aprender e ensinar para os outros, e todo mundo falava assim: ‘você sabe que você ensina legal? Eu consigo entender com você', e ficava direto isso daí, ‘eu consigo entender com você'. Quando foi o Danilo trabalhar comigo, eu expliquei muita coisa de como funcionava a NET, e ele explicou do After Effects, porque a gente era meio água e óleo, eu era mais calmo, mais tranquilo, e ele era mais nervoso, então a gente conseguia ter uma relação boa. Quando ele estava mais calmo, soltava eu, quando eu estava mais calmo, soltava ele. E a gente era muito crítico um com o outro, a gente conseguia falar na cara se estava bom ou ruim, sem causar nenhum problema com a amizade. Aí nessa época no canal eu conheci muita gente, fiz a região da sala de audiovisual, e eu fiquei na NET 10 anos, 12 anos aliás, eu entrei em 1998, e só saí de lá em 2010, para fazer o mestrado aqui na USCS.
Pergunta:
Luciano, voltando um pouquinho, me chamou a atenção essa questão de você entrando na faculdade, depois no mercado de trabalho, você foi fazendo o networking, a faculdade não funcionou, e você foi para vários amigos. Até que ponto você sentiu que, naquele momento, a faculdade espelhava as necessidades que você encontrou no mercado de trabalho, a faculdade te preparou para o mercado de trabalho? [1:05]
Resposta:
Quando eu estava trabalhando, quando eu comecei a trabalhar, eu tinha certeza que não. É duro falar isso, eu achava que a faculdade não me preparou direito. Hoje, não é porque sou professor, antes de virar professor eu já sentia isso, eu senti que muitas aulas que eu tive, principalmente da área de humanas, a parte até mais teórica, ajudou muito na formação, então eu não tive o preparo técnico, a diferença foi essa. Naquela época, hoje as faculdades têm, qualquer faculdade que tem uma estrutura mínima, tem um preparo muito melhor do que a gente tinha antes, a gente não tinha estrutura técnica nenhuma, quando eu digo estrutura técnica nenhuma, não tinha aula de edição para o curso de Rádio e TV, não é só na Metodista, mas em qualquer lugar não tinha. Não tinha aula de edição, os alunos não operavam os equipamentos, a câmera não era eu que fazia, então tinha um monte de procedimentos que não era feitos, que começaram a ser feitos depois. Então, não existia preparo técnico, você chegava na Band, você via os caras editando e pensava: ‘isso aí é grego', não sabia nada o que é isso. Então, a minha escola técnica foi a Band. Agora, minha formação como ser humano foi na Metodista. Só que eu só senti isso, porque quando a gente é aluno quer botar a mão na massa, a gente só percebe isso cinco, seis anos depois que você se forma, que você sente saudades daquela aula do professor X, do cara que dava aula dessa parte teórica, então eu percebi isso depois, não foi na hora não. E não era nem culpa dos professores, os professores que a gente teve, tinha um professor lá que cuidava da parte da cultura de shows, manjava tudo de câmera, conhecia, tinha um outro que coordenava estúdio, a culpa não era deles, a estrutura de currículo do curso não era estruturada para essa parte técnica, então não teve muito esse preparo na parte técnica.
Pergunta:
Retomando então, você estava no canal local da NET, tinha 14 anos de experiência, e começando ali a sentir que você...
Resposta:
[Interrompe] Na verdade, foi antes. Em 2010 foi quando eu sai para fazer o mestrado, não tinha como conciliar, mas antes disso...
Pergunta:
[Interrompe] Você deixou o emprego para fazer mestrado.
Resposta:
Isso, mas antes disso, o fato de virar professor veio quando: em 2005, nesse meio tempo conheci minha esposa, a gente se conheceu em 2001, 2001 para 2002, a gente se conheceu, se conheceu pela internet. A gente se conheceu, e começamos a namorar, logo depois a gente já ficou noivo, porque ela passou em um concurso público, eu estava empregado, então falei: ‘bom, acho que agora dá para a gente seguir alguma coisa, qualquer dor de barriga, pelo menos alguém vai estar com um emprego'. Aí a gente resolveu ficar noivo e resolvemos já comprar alguma coisa. Ela não sabia, quer dizer, eu tinha guardado um dinheiro desde quando eu comecei a trabalhar na NET. Eu não era muito de sair, nunca gostei muito de bal